quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Soterrado de cimento II.


          Estou com a aparência horrível e odiosa. Meus cabelos têm o brilho ofuscado pelo escuro do pó. Minhas mãos doem, minhas unhas doem e sangram. A cabeça doi constantemente - eu não quero estar aqui. Há feridas na minha boca. Por dentro e por fora. Minha língua está podre.
          Minhas roupas estão sujas. Meus braços e minhas pernas também. Sinto muita fome e, também, sinto receio de me sentar àquele banco branquinho, que parece intocável. Quando sento, o sujo. Estou sujo. Eu não quero estar aqui.
          É doloroso conviver com o fato de ser obrigado a ir num lugar onde todos te julgarão. Ninguém gosta do meu cabelo ou da minha barba. Ninguém gosta da minha camiseta desbotada. Ninguém entende quando questiono "qual o problema em dois homens se beijando?". Eu estou sempre errado nesse lugar e eu não quero estar aqui.
          Piso de pé preto no chão branco da cozinha. Por falta de pano de chão, borro toda uma limpeza com a graxa da minha bota. Peço desculpa mas só ganho patada. Meu nome para eles é errado. No lugar de "Neto" tem um "Pinto". É como se eu fosse outra pessoa e ganhasse o salário para outra pessoa. Há quase um mês eu sou outra pessoa, mas quem sente as chicotadas sou eu, o Neto. O machismo reina nesse lugar.
          Há dias em que eu desço da bicicleta e, ao bater o dedo, ouço piadas que ferem. Chego a me imaginar armado, matando a todos e depois dando um tiro na minha boca. É por sentir tanta raiva que eu não quero estar aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário