quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Soterrado de cimento II.


          Estou com a aparência horrível e odiosa. Meus cabelos têm o brilho ofuscado pelo escuro do pó. Minhas mãos doem, minhas unhas doem e sangram. A cabeça doi constantemente - eu não quero estar aqui. Há feridas na minha boca. Por dentro e por fora. Minha língua está podre.
          Minhas roupas estão sujas. Meus braços e minhas pernas também. Sinto muita fome e, também, sinto receio de me sentar àquele banco branquinho, que parece intocável. Quando sento, o sujo. Estou sujo. Eu não quero estar aqui.
          É doloroso conviver com o fato de ser obrigado a ir num lugar onde todos te julgarão. Ninguém gosta do meu cabelo ou da minha barba. Ninguém gosta da minha camiseta desbotada. Ninguém entende quando questiono "qual o problema em dois homens se beijando?". Eu estou sempre errado nesse lugar e eu não quero estar aqui.
          Piso de pé preto no chão branco da cozinha. Por falta de pano de chão, borro toda uma limpeza com a graxa da minha bota. Peço desculpa mas só ganho patada. Meu nome para eles é errado. No lugar de "Neto" tem um "Pinto". É como se eu fosse outra pessoa e ganhasse o salário para outra pessoa. Há quase um mês eu sou outra pessoa, mas quem sente as chicotadas sou eu, o Neto. O machismo reina nesse lugar.
          Há dias em que eu desço da bicicleta e, ao bater o dedo, ouço piadas que ferem. Chego a me imaginar armado, matando a todos e depois dando um tiro na minha boca. É por sentir tanta raiva que eu não quero estar aqui.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Every town has an Elm Street


          Passando pela rua da igreja num dia desses indo trabalhar, notei que o portão de um daqueles sobrados agora é branco. O bar, que antes era outra igreja, virou um double de sobrados triplex. A dona Genoeva, vó do Vovô e da Camila, já morreu faz um tempão, mas sempre lembro dela quando passo por essa rua (todos os dias). O cunhado da dona Zila morreu e seu beagle de estimação morreu. Morreram também aqueles dois cães que latiam sempre quando eu caminhava à loteria da minha mãe. O Sargento tava trampando de segurança num mercado ali de Santa. Acho que ele parou de ir ao bar do Gaúcho. Aposto que tretaram. O Gaúcho tretava com todo mundo. Na esquina, onde tinha aquele matagal em que a piazadinha fazia guerra de mamona, hoje tem quatro outros sobrados. Num deles, quem mora é a dona Olga, que costurava minhas calças quando era criança e que morava na frente do sobrado do portão branco.
          No outro lado da esquina, quem morava (e mora) lá é o Jardel. Quando a gente era criança, a gente jogava bola juntos. Depois ele cresceu e virou um bosta. Vai ver ele sempre foi um bosta e eu era pequeno demais pra entender. Ele era vizinho do Tuca. O Tuca é gago e era legal pra caramba. Uma vez ele apareceu com o Zeca Camargo na TV, correndo pelo Parque Barigui. Lembro que fiquei muito feliz com aquilo e que tinha dado muita risada. Em frente à sua casa é onde tem aqueles motoqueiros. Sempre que passo ali, tem, até hoje, um carro vermelho com adesivos no Lino's Bar e do Mão-de-Ferro. Não sei que carro que é, não dou a mínima pra carro. Sei que nunca fui com a cara daqueles caras e nem com esses adesivos (mas a menina que mora em cima é bem bonita).
          Seguindo a rua, tem o sobrado azul (sobrado de boy, tem até campo de futebol) e do lado tem a casa da dona Elena. Dona Elena era vó do 'Migué' e eu nem sei se o nome dela se escreve assim mesmo. Quando seu marido, vulgo 'Seu João' morreu, eu senti muita tristeza. Ver ele fraco daquele jeito na cama não me fez bem. Nem sei do que ele morreu, mas sei que eu gostava bastante do Migué. Ele foi pro Japão e voltou. Agora mora numa cidade de Minas Gerais, eu acho, e, se voltasse, a gente não teria nada em comum...
          Do lado, moram, em duas casas, o Hugo e o Tião. O Tião é um dos meus tios mais próximos. Uma vez ele bateu o carro indo pro Jd. Itália e cabotou um monte. Isso foi em 2004 e eu fiquei desesperado. O Hugo é meu primo que trampa comigo e tá na banda dos amigos. O pai dele é meu chefe. O pai dele tava atrás de mim me dando tchau enquanto escrevia isso. O Hugo morava no sobrado cujo o portão agora é branco. Na esquina de cima, é o bar do tio Pedrinho. Tio Pedrinho está morrendo. Não vou sentir a sua falta, nunca fomos muito próximos. Sempre que eu passava na rua, ele nenhuma vez me cumprimentou, acho que nem sabe que sou sobrinho dele. Ele se parece muito com meu pai mas tem a estatura das minhas tias. Coitado do tio Pedrinho. Vai morrer logo depois de seus outros sobrinhos - esses sim, próximos - terem sido assassinados por engano. Descansa bem, tio!
          Descendo a rua, moram o Pangelo, Caio, Dener e mais algumas tias, primos e um tio. Dificilmente - quase nunca - meus parentes me visitam ou visitam meus pais. Eu nem me importo, nunca liguei pra isso mesmo. Tô nem aí. Depois que você atravessa a rua pela última vez antes da estrada, não se tem ninguém de importante. Ninguém que tenha sido meu amigo ou que eu tenho história pra lembrar.
          Meu coração não tá mais nessa rua. Ele tá longe. Ele vai voltar... Caralho, eu tô morrendo, mesmo, de saudade...

sábado, 8 de setembro de 2012

Seven

Sete vidas.
Igual gato.
Somos dois gatos.

Sou o gato que você não teme.
Cê é a gata que eu mais gosto.

sábado, 1 de setembro de 2012

As noites de Curitiba já não têm tanta graça


Acordei assustado, meio tenso. Hoje eu tive folga do trabalho e tive a oportunidade de viver fora da fumaça de óleo diesel, ainda que fosse por pouco tempo. Senti como se fosse uma brecha que eu abri na vida para, sei lá, me sentir um pouco vivo no meio dos amigos e das amigas. A noite caiu e eu ainda me sentia vazio. Vazio como me sentia quando saí de casa. Sábado estranho... Sábado vazio. Foi tudo muito rápido. Os cumprimentos, os abraços, os goles de cerveja, hamburgers de soja, risos e até lágrimas. Tudo durou pouquíssimo.

Na hora do tchau, como não havia companhia para ir embora de ônibus, resolvi mudar a rotina do centro e andar oito quilômetros até a minha casa. Fui impedido. Não me deixaram. Talvez fosse mesmo bobagem e eu nem fiquei nervoso com isso. Caminhei com outros três até meu tubo, subi e entrei no ônibus. O caminho todo levava um velho falando ao celular: "Oi. Aqui é o Ferrari. Quer trabalhar amanhã? Pode chegar às onze..." e uma menina falando ao celular sobre ter levado um pé na bunda de um tal de Fernando. Ela parecia ser legal, esse Fernando deve ser um babaca. 

Chegando no terminal, ainda estava com vontade de andar. Nessas alturas, não seriam os mesmos oito quilômetros. Agora, eles foram reduzidos a dois. Ainda estava assustado. O susto matinal tinha tomado conta de mim, do meu coração e pensamentos. Eu estava pensando muita bosta. As mesmas que eu pensava antes. Estou sentindo muita saudade e, de vez em quando, acho que vou morrer. Morrer de saudade. Andei os dois quilômetros (porra nenhuma, é bem menos que isso) e cheguei em casa. Concluí que o céu de Curitiba está pelado. Tudo o que o colore, é uma lua soltária, a esta hora, bem pequena. Caralho, tem vez que estar sozinho é dificílimo. Nunca me acostumarei...